CEO em clube de futebol: que história é essa?

Por Pedro Henriques


A dinâmica social, com alta exposição e fiscalização, e a acirrada competitividade esportiva já deixaram claro que a profissionalização pede passagem na gestão do futebol no Brasil. O noticiário sobre crises financeiras, atrasos salariais, falta de pagamento de tributos e diversas obrigações já se tornou lugar comum no meio dos clubes de futebol. O detalhe assustador é que estamos falando, inclusive, de instituições que arrecadam centenas de milhões de reais por ano e disputam a Série A do Campeonato Brasileiro.

Mais urgente do que procurar entender como os gestores conseguiram deixar a situação chegar a esse ponto, é impedir que a coisa degringole de vez, levando instituições centenárias ao fundo do poço futebolístico, seja seu fracasso revelado por um rebaixamento, por uma crise política e moral, pela inadimplência generalizada ou pela (provável) combinação de todos esses elementos.

Sintetizemos genericamente a situação estrutural e organizacional da maioria dos clubes do Brasil: são associações civis sem fins lucrativos que tem seus gestores máximos eleitos para mandatos curtos, não sendo remunerados pelo seu trabalho e não tendo dedicação exclusiva ao seu cargo no clube.

Claro que cada clube tem sua peculiaridade. Há variação de números de vice-presidentes, superintendentes ou outro cargo específico, mas o certo é que costuma haver uma quantidade de pessoas nomeadas politicamente que intervêm no dia a dia do clube sem, necessariamente, contudo, viver a rotina diária da instituição até por uma questão de sobrevivência, afinal, elas precisam trabalhar em outras atividades para serem remuneradas.

Nesse cenário surge um vácuo de referência e liderança no seio de inúmeros clubes de futebol, nos mais variados departamentos. Muito se escuta sobre determinados expedientes começarem a ser mais produtivos no fim da tarde quando os dirigentes chegam de suas outras atividades laborais para acompanhar e fazer andar as demandas do clube.

É importante aqui fazer um parênteses, embora muitos clubes funcionem aparentemente por inércia – a engrenagem já está girando e a ausência física de um líder, em tese, não vai fazê-la parar de rodar – é difícil imaginar a implementação de mudanças relevantes sem que uma liderança acompanhe de perto a operacionalização das estratégias definidas.

Além disso, é importante destacar uma questão “existencial” dos clubes! Sendo gerido por pessoas que detém mandatos eletivos de prazos relativamente curtos (normalmente 2 ou 3 anos), é possível que os clubes de futebol sofram constantes rupturas de filosofia de trabalho e há sempre o risco de gestores se preocuparem mais com resultados de curto prazo (sucessos de sua gestão) do que em preparar o clube para se dar bem no longo prazo.

Seria conveniente, então, ter um profissional que focasse, sempre, em aspectos técnicos para tomadas de decisão. Na esteira desse raciocínio surgiu a pergunta “O quanto os clubes querem, realmente, fazer um bom trabalho?” – provocação de Vinicius Lordello – consultor e especialista em gestão de imagem, reputação e crises no esporte e colunista deste Esporte Executivo, na EXAME.com – um dos profissionais escutados para a elaboração desse artigo. “Muitas vezes, questões políticas costumam estar muito acima dos interesses do clube. A figura mais racional na gestão é o CEO. Não consigo enxergar uma gestão bem ajustada no esporte sem uma figura como essa. Mesmo que em outro cargo ou posição no organograma. As forças políticas dentro de um clube desequilibrado tendem a afetar a gestão.” explica Vinicius.

Os organogramas dos clubes de futebol são casos à parte e dificilmente um modelo genérico teria ampla aplicabilidade porque cada clube, cada estatuto, tem suas peculiaridades. Aliás, encontrar o organograma dos clubes de futebol não é tarefa das mais fáceis. Fica o desafio ao leitor: encontre o organograma do seu clube de coração.

Um breve parênteses: como este articulista já exerceu função similar à de CEO – Chief Executive Officer – em um clube, pareceu mais interessante – e menos parcial – realizar essa análise escutando profissionais que acompanham de fora as gestões de diversos clubes de futebol.

O que a abordagem de Vinicius nos lembra é que, por mais competentes e dedicados que sejam, normalmente, os dirigentes do futebol são torcedores. E torcedores, por vezes, tem um lado passional e estão mais sujeitos a viver com maior intensidade a pressão para promover mudanças em momentos de turbulência do time. O dirigente que é o herói numa quarta-feira pode ser o vilão no domingo. Se espera que um diretor executivo (ou CEO) tenha frieza e racionalidade maiores para defender a manutenção das políticas estratégicas estabelecidas pelo Clube.

Mas que fique claro, manter as políticas estratégicas do clube não significa “teimosia” ou “insistência em ações que não estão produzindo resultados”. Faz parte do trabalho do gestor, além de planejar e executar, acompanhar os resultados produzidos para, sendo necessário, promover alterações para aumentar a eficiência do Clube.

Mas, afinal, o que faz o tal do CEO?

Na mais rápida análise – em pesquisas pelo Google – vamos descobrir que CEO é a pessoa com maior autoridade na hierarquia operacional de uma organização. É o responsável por implementar as estratégias para promover a visão da empresa. A melhor tradução em “futebolês” foi dada por Rodrigo Capelo – jornalista especializado em negócios do esporte, repórter do Globoesporte e comentarista do SporTV – para quem CEO é “o cara que é subordinado ao presidente, mas vai administrar o dia a dia de todas as áreas do Clube sabendo avaliar o que precisa ser feito”.

Seguindo a linha de necessidade de profissionalização do futebol e lembrando os momentos de crise por que passam inúmeros clubes, Capelo destrincha a previsível rotina que vemos de tempos em tempos e destaca a importância para os Clubes de terem esse profissional. “Ter um executivo de mercado para gestão faz toda diferença. Vem a crise num clube e é necessário fazer uma reestruturação. Aí trazem uma figura política (novo presidente) que traz consigo pessoas de mercado (ainda que torcedoras do clube) para os departamentos de marketing, financeiro, médico… Isso acontece em quase todas as áreas, exceto para o Diretor de Futebol e CEO.”

Mas por que isso acontece?

Primeiro é preciso esclarecer que quando Capelo se referiu a “pessoas de mercado” não necessariamente estava falando do mercado do futebol. Ora, um gestor financeiro ou de marketing da AMBEV ou Coca-Cola poderia tranquilamente fazer um bom trabalho num clube de futebol.

Só que não existem “diretores de futebol” em outros ramos empresariais. É um trabalho que requer um conhecimento e uma rede de contatos muito específicos. E se já vemos um mercado restrito para o desenvolvimento desses profissionais, Capelo entende que, para um Clube, achar a figura do “CEO é ainda mais difícil porque precisa: ter conhecimento sobre todas as outras áreas e saber mensurar os resultados delas; ter capacidade de comunicação; rede de relacionamentos específica do futebol; e saber lidar com a natureza da instituição que é totalmente diferente de outras empresas”.

De fato, se em grandes empresas o lucro é o principal objetivo, no futebol, via de regra, o foco é em resultados esportivos. Então, os CEOs se veriam numa situação peculiar, pois estão habituados a se focar em potencializar o resultado da atividade fim das empresas, mas no futebol, eles estarão muito mais envolvidos nas atividades meio.

Mas a dificuldade de encontrar o perfil certo para a função não deve impedir a busca. Atualmente, conseguimos identificar executivos (e até presidentes) muito modernos na gestão de futebol. Há clubes, inclusive, em que aqueles que ocupam cargos políticos já são remunerados. Mas fiquemos atentos! O fato de ter pessoas remuneradas não é garantia de profissionalismo. “Remuneração, por si só, não é profissionalização. É preciso trazer pessoas competentes e do mercado” diz Vinicius Lordello.

E está correto, afinal, nada impede que se remunere indevidamente pessoas que não tem capacidade técnica para exercer determinadas funções. Em verdade, alguns clubes passaram por crises políticas justamente quando “estouraram as bombas” sobre a existência de conselheiros remunerados. Tudo isso posto, podemos concluir que é preciso que haja lideranças claras (e profissionais) estabelecidas no dia a dia do clube. Mais que um presidente remunerado, ou mesmo um CEO, é preciso que os clubes tenham metas claramente definidas para cada departamento: administrativo, RH, marketing, financeiro, futebol (porque não?)…

É fundamental que para atingir tais metas sejam desenvolvidos planos de ação com métricas e prazos estabelecidos de forma a permitir um acompanhamento regular para garantir a produtividade de todas as equipes além da promoção de eventuais mudanças de rumos (justificáveis por critérios objetivos) para atingir os resultados.

Em tese, esse é o trabalho a ser desenvolvido pelo CEO num clube de futebol.

Parece útil e importante, não?

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